PL anti-MST gera divergências entre deputados de direita e faz CCJ da Câmara adiar análise de texto

Projeto permite a proprietários de terra uso da própria força ou de PM para retirada de 'invasores' sem ordem judicial

PL anti-MST gera divergências entre deputados de direita e faz CCJ da Câmara adiar análise de texto

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deu sequência, nesta quarta-feira (3), às tentativas de aprovação de pautas de linha punitivista. Desta vez, os parlamentares da extrema direita e da direita liberal conseguiram agilizar a tramitação de uma proposta que autoriza a proprietários de terra a convocação de forças policiais para a retirada de “invasores” de suas áreas sem necessidade de mandado judicial.

A pauta está expressa no Projeto de Lei (PL) 8262/2017, de autoria do ex-deputado André Amaral (Pros-PB), que foi discutido pelo colegiado nesta quarta. O texto não chegou a ser votado, no entanto, porque uma divergência entre deputados do campo da direita acabou gerando o adiamento da análise final do PL.

O parecer apresentado pelo relator do PL na CCJ, Victor Linharis (Podemos-ES), enrijeceu em alguns pontos a proposta inicial. O parlamentar propõe uma série de acréscimos ao texto do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). O primeiro deles seria a exigência de um prazo de 48 horas para o cumprimento de decisões judiciais relativas a ações de manutenção ou de reintegração de posse, "sejam de tutela provisória, sejam de tutela definitiva". O segundo é a previsão de que, em caso de "necessidade do uso da força pública", a execução se dê com apoio da Polícia Militar ou da Polícia Federal, a depender da competência para o caso.

A terceira mudança proposta pelo relator estabelece que o juiz do caso deverá estipular, na decisão, "todas as medidas necessárias a seu imediato cumprimento", podendo suspender o fornecimento de serviços públicos na área objeto da ação, remover "todos os participantes do esbulho ou turbação coletivos, independentemente de estarem identificados no mandado [judicial]", entre outra possibilidades.

Outra alteração proposta no parecer fixa que "as autoridades responsáveis por darem cumprimento à decisão judicial deverão usar de todos os meios necessários ao seu cumprimento, observado o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade".

"A autoridade que não der cumprimento à decisão judicial no prazo de 15 dias, contados da sua ciência da decisão, incorrerá na prática de crime previsto no art. 330 do Código Penal. Nas mesmas penas incorrerão os participantes no esbulho ou na turbação coletiva", propõe o relator em um quinto ponto acrescentado ao CPC.

Além disso, Victor Linhalis propõe alteração de um artigo do Código Civil para que os proprietários de terra possam, além de acionar força policial, "manter-se ou restituir-se por sua própria força". "O direito a manter-se ou restituir-se por sua própria força ou utilizando força policial será exercido em até um ano e um dia, a contar da ciência da turbação ou esbulho pelo possuidor ou proprietário", especifica o relator.

Este último aspecto abriu uma divergência. O deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), integrante da bancada ruralista e crítico da atuação de movimentos populares do campo, disse apoiar o PL 8262, mas manifestou preocupação com o trecho. Ele chamou esse ponto do relatório de "exagerado". "Eu entendo que você, por sua própria força, depois que estão lá [na área rural] 200, 300 pessoas, constituir uma milícia e voltar para fazer o enfrentamento – armado, até – contra essas pessoas, [é algo que vai] levar o Brasil a uma condição que nós não desejamos."

O parlamentar defendeu que o trecho fosse "mais bem elaborado". Diante da divergência, Victor Linhalis disse que irá avaliar o caso. "Vamos sentar de novo e analisar cada ponderação que foi feita aqui", disse. Ele pediu, então, a retirada de pauta do PL da agenda desta quarta-feira para que "apresente depois ou não" uma modificação no texto.

Disputa

O PL 8262/2017 figura na lista de propostas que a presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), e aliados vêm tentando agilizar com o objetivo de atingir o governo federal e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O pacote de medidas tem como pano de fundo a histórica rivalidade entre ruralistas e movimentos populares do campo, que disputam a agenda política e orçamentária do Executivo e travam uma batalha ideológica em torno da pauta agrária.

No caso do PL 8262, o autor argumenta, no texto original, que a convocação de agentes da polícia para casos de "invasão de propriedades" seria necessária porque "a solução pela via judicial é demorada". De outro lado, parlamentares do campo da esquerda afirmam que o projeto desprivilegia o papel institucional do Poder Judiciário diante de conflitos de terra e promove o uso da força policial do Estado como algo subordinado aos interesses de especuladores de terra no campo.


Célia Xakriabá durante sessão da CCJ da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (3) / Mário Agra / Câmara dos Deputados

A deputada Erika Kokay (PT-DF), por exemplo, disse que a proposta atende à lógica do que chamou de "fundamentalismo patrimonialista". "Primeiro, leva a um processo de destruição do Estado como grande promotor da segurança e, ao mesmo tempo, responsabiliza as pessoas pela sua própria segurança. [O PL] trabalha com a lógica da barbárie, da guerra civil. Então, nós vamos ver os prenúncios de uma guerra explícita, né? É a volta dos jagunços."

Diferentes outros parlamentares criticaram o PL 8262 e o texto do relator. Célia Xakriabá (PSOL-MG) afirmou que a agenda reacionária hoje adotada pela CCJ contra o MST dialoga com as propostas de desmonte de direitos indígenas, como é o caso do marco temporal, aprovado pelo Congresso em 2023. "Não dá pra desatrelar tudo isso das questões climáticas. Nós votamos aqui pautas importantes. Vai ser uma vergonha pro Brasil ano que vem sediar a COP [Conferência das Partes, o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima] votando hoje aqui este rolo compressor."